segunda-feira, 13 de agosto de 2007

“O problema hoje é a distribuição do emprego”

Em seus livros, o senhor previu um mundo em que todos trabalhassem menos para que mais pudessem ter um emprego. Mas o que se vê hoje é exatamente o contrário.

Em todo o mundo, e especialmente no Brasil, há muito desemprego. Em partem a culpa disso é da robótica, do computador. A uma situação paradoxal. O computador veio para livrar o homem do trabalho burocrático e poupar o tempo que gastava com suas tarefas, para liberá-lo ao lazer, a família, o estudo. Mas, se o mesmo trabalho pode ser feito em menos tempo, ou se reduz á carga horária, ou se reduz o numero de trabalhadores. Infelizmente, a segunda opção é a preferida. Mas a uma solução burra. Mais do que isso, e uma loucura. As pessoas estão trabalhando muito mais horas, enquanto as cidades estão cheias de desocupados. O desemprego depende, sobretudo, da boa distribuindo do trabalho, da riqueza e do saber. Os comunistas sabiam distribuir, mas não sabiam produzir. Nos sabemos produzir, mas não sabemos como distribuir o trabalho, assim como não distribuímos bem a riqueza e o saber.

A globalização esta piorando esta situação. O senhor não acha que, contrariando suas teorias, que o futuro tende a agravar ainda mais este problema da ma distribuição do trabalho?

Isso depende da inteligência do homem. Toda vez que temos grandes problemas, o homem vai atrás de soluções criativas. Acho que é um problema de tolerância. A distribuição de riquezas esta piorando porque o Terceiro Mundo é tolerante com os países ricos. Os problemas do Afeganistão, do Paquistão, do Iraque, do Irã não eram importantes até o 11 de setembro. Se não fosse aquele atentado, até hoje não teríamos despertado nosso interesse pelo Islã. Antes, na Itália ou no Brasil, ninguém sabia onde era o Afeganistão.

Qual seria a solução?

Parto do princípio de que nós temos de nos contrapor aos dois modelos existenciais fundamentalistas que vigora. De um lado o fundamentalismo islâmico, baseado no fanatismo religioso. E, de outro, o fundamentalismo americano, baseado no fanatismo consumista. O consumismo americano propõe o paraíso em terra, enquanto o fundamentalismo islâmico fala de um paraíso do lado de lá. Eu acredito que há um outro modelo, que não é nem islâmico, nem americano.

Nem uma terceira via?

Nem uma terceira via, com a pregada por Anthony Giddns, porque ela é uma via econômico-política. O terceiro modelo é uma via sociocultural. Essa via esta baseada na experiência latina, que sempre buscou um mundo melhor. A experiência grega, romana, do Renascimento florentino, do século de ouro espanhol, da América Latina, do Brasil, do Chile, da Argentina, do México... Povos que sempre tiveram seu tipo de vida mais voltado para a sensualidade, para a solidariedade, para a alegria, para a brincadeira e para o ócio criativo.

Seria uma oposição entre os modelos católico e protestante?

O catolicismo é parte do modelo latino. Ele é menos drástico, mais alegre, menos competitivo, menos calvinista. O catolicismo é menos baseado no trabalho e mais no tempo livre. No domingo, e não na segunda-feira.

Por que algumas pessoas são mais criativas do que outras?

Porque nelas há uma síntese entre fantasia e concretude. A maioria das pessoas é mais criativa em alguns setores do que em outros. Um sujeito criativo para negócios talvez não seja para poesia. Muitos de nós pensam que não são criativos porque estudaram ou se aperfeiçoaram na coisa certa. Quem sabe se dentro de mim não havia um Mozart, só esperando por uma aula de piano? As escolas não incentivam as crianças busca a sua veia criativa. Em vez disso, exigem que elas sejam boas em tudo, o que é impossível. Em 200 anos de Revolução Industrial, a criatividade não foi muito incentivada. Veja-se a crítica de Charles Chaplin em Tempos Modernos. Até pouco tempo atrás, o criativo era visto como perigoso, desestabilizador.

Como na fábula da cigarra e da formiga?

Sim, desejava-se que todos fossem formigas, andando em fila e fazendo tudo certinho, mas sem criatividade. A sociedade pós-industrial fez ruir esta idéia. Temos que produzir cigarras.

O que o levou a escrever "Criatividade e grupos criativos"?

Uma lacuna. Temos muito pouca literatura sobre a criatividade. A teoria psicanalista tratou disso, Fred, Jung, Hillman, mas não muito. Freud escreveu sobre Michelangelo e sobre Leonardo Da Vinci. Jung escreveu em ensaio sobre Beckett. Mas eles não se interessavam especificamente pela criatividade. Por que o homem é inspirado a criar? Temos o instinto de sobrevivência, de fuga, de agressividade. Mas haveria um instinto de criatividade? A psicologia interessa definir a personalidade de um criativo compará-la a de um não criativo. Quais são os interesses para um neurologista? As condições sinapticas que caracterizam a criatividade. E quais os interesses dos epistemologos sobre a criatividade? Saber como gerar o progresso científico. Quais os interesses dos sociólogos na criatividade? Saber como funciona m agrupamento criativo. Por que tantos gênios viveram em Atenas? Por que uma cidade com 40 mil habitantes gerou personalidades como Aristóteles e Sócrates? E não foi somente este o caso. Florença, quando tinha apenas 19 mil habitantes, teve Da Vinti, Donatello e Michelangelo.

Por que isso acontece?

Por que a história não segue em linha reta. Em alguns momentos, há uma grande criatividade artística, muito fantasiosa. Em outras, uma grande criatividade técnico-científica.

Elas seriam radicalmente diferentes?

Como uma linha reta e uma linha curva. Falo disso em meu novo livro, inspirado em um grande brasileiro, Oscar Niemeyer. Ele se contrapôs a Le Corbusier, que amava a linha reta, a linha mais breve entre dois pontos, a linha dos boulevares. Mas Oscar Niemeyer disse "Não é o angulo reto que me atrai, nem a linha dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a linha curva livre e sensual das curvas que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso nos seus rios, nas nuvens do céu, no corpo da mulher bonita. De curvas é feito o universo. O Universo curvo de Einstein”.

O que se pode esperar de um presidente que foi líder sindical?

Lula, neste momento, é um presidente muito atípico do mundo porque em toda parte há presidentes de direita, ou presidentes que se dizem de esquerda, mas agem como direita, como Tony Blair. E todos são hiperliberais, a favor do mercado livre, do aumento da produtividade, pela redução dos custos. O único chefe de estado que esta na contra-corrente é Lula, porque fala em justiça social. É um chefe de estado de grande originalidade. Depois de dois governos de Fernando Henrique, era necessário mudar de forma corajosa. Lula tem uma forte dissimetria entre os aspecto físico e a qualidade da mente. Uma mente muito refinada e um corpo de operário, mecânico. Uma mente pós-industrial e um corpo industrial, o que cria uma síntese muito interessante.

Mas os brasileiros reclamam que o governo tem mostrado pouca criatividade para mudar e que estaria engessado pela administração anterior.

Lula é hoje o chefe de estado mais pressionado do mundo. Quando Gorbatchev transformou a União Soviética, evitando uma grande carnificina, era um líder prezado em todo o mundo. Todos falavam bem dele, menos os russos. Mesmo acontece com Lula, que muito é prezado fora do Brasil. Não se pode esquecer que muitas potências estrangeiras conspiram contra Lula, porque ele é um perigo para a cultura ultra liberal. E como se dá esta conspiração? Como sempre se deu, no Brasil ou na Itália, com a ajuda da esquerda. E sempre a oposição da esquerda que pressiona e inviabiliza o governo de esquerda. Eles não caem por mérito da direita, mas pelo demérito da esquerda. Nós intelectuais somos responsáveis, porque fazemos pouco, mas criticamos muito. Os intelectuais querem que Lula faça em um ano o que não se fez em 100. O tempo da mudança não é decidido por uma pessoa, mas pelo governo, pelo FMI, pelo aliados, pela burocracia. Lula tem muitas qualidades e grandes ministros. Cristóvão Buarque é um grande ministro. Tasso Genro também. Se Lula tiver sucesso ou não, não é mérito ou culpa de Lula, mas culpa ou mérito de todo Brasil. Mas o Brasil já tem o mérito de ter votado nele. Foi uma coisa extraordinária. O Brasil mostrou uma enorme capacidade de sonhar.

Esta entrevista foi feita por Cristiane Costa e publicada pelo Jornal do Brasil

Um comentário:

Anônimo disse...

hmm bom texto